sábado, 14 de maio de 2011

Talvez se soubesse poesias...

Uma noite fria e chuvosa. É com me lembro da ultima vez que a vi. Mas historias não devem ser contadas começando pelo final.

Foi em um dia ameno de primavera, um dia bem  característico como as flores dos jardins em seu total esplendor. Ela andava despreocupadamente, com uma blusa branca, uma saia leve e os cabelos avoaçados pela leve brisa matinal. E pensar que no fim tudo seria tão obscuro e escarlate. 

Estava sentado em um banco do parque municipal quando ela chegou. Sinto ainda como se fosse hoje o perfume de camélia vindo de um canteiro próximo, as flores seriam marcos que nunca mais esqueceria. Ela era com uma flor, linda, radiante, com um suave brilho emanando. Sua pele corada pela rápida exposição ao sol me hipnotizou. As maçãs de seu rosto pareciam especialmente desenhadas para aquele momento. Veio em minha direção com uma determinação assustadora. Sentou ao meu lado e tirou de sua pequena bolsa um livro, algo sobre como resolver os mistérios do universo.

Não me recordo agora. Tentei com todas as minhas forças ignora-la não sentir a tremenda pressão que sua presença ali me causava. Não exatamente me incomodava apenas me sentia atordoado com sua proximidade. 

Pareceram anos passados quando algo caiu do meio de seu livro. Por muito tempo me questionei se fora proposital, mas havia acontecido. Uma quebra paradigmática. Um motivo para que eu, simplório escritor de obituários do pequeno jornal local, interagisse com ela. Se fosse um poeta talvez a tivesse chamado de Afrodite, Perséfone ou mesmo Athena. Mas nunca fui um poeta, Era um escritor de obituários o melhor que pude fazer foi uma brincadeira com seu epitáfio. 

Senhora Silva, esposa amada, mãe dedicada e filosofa fundamentalista nas horas vagas.”

Ela sorriu. Esse foi o primeiro passo para oque achei que poderia ser uma longa historia de amor. Poderia ser se talvez fosse um poeta. Mas nunca soube fazer poesias. Estava com um cartão em minhas mãos, algo sobre uma fotografa famosa. Ela assinava em todas as revistas de turismo famosas, as quais eu possuía todas e sonhava com suas fotos por noites a fio. Era um escritor, almejava grandes matérias nessas revistas, sonhava com o pulitzer, em cobrir grandes matérias que mudariam o destino do mundo. Talvez se soubesse fazer poemas.

Acordei com uma ligação no inicio da noite. Estava mais uma vez atrasado para o trabalho no jornal local. E os mortos não esperam. Havia se passado duas semanas que peguei seu telefone. Nunca cheguei a ligar. Oque falaria? “Oi, lembra-se de mim o cara que fez seu epitáfio na praça?” Não poderia ser assim. Bem os mortos não esperam, e eu tinha muito que escrever  pela noite adentro.

Liguei meu laptop e olhei pela janela e vi as primeiras estrelas brilhando lá fora. Pessoas morriam todos os dias, esse era meu trabalho escrever sobre elas noite após noite.  Abri meu e-mail e vi uma mensagem da editora, algo sobre uma famosa fotografa local que havia falecido trabalhando. Abri a mensagem e olhei as fotos. Cairo, uma noite chuvosa.

Renata Santos, cidadã condecorada, fotografa premiada e filosofa fundamentalista na horas vagas.”

Eu nunca soube fazer poesias. Talvez se soubesse lhe faria uma.